Caso Volkswagen: A fraude não prejudica todo mundo.
Apenas quem respira
A Volkswagen
instalou um mecanismo para fraudar testes de emissões de poluentes, fazendo com que 11 milhões
de seus carros aparentassem ser menos tóxicos do que normalmente eram. Com
isso, além de enganar o consumidor, prometendo algo que não entregava, a
empresa apertou a tecla “dane-se'' para a qualidade de vida no planeta,
considerando que automóveis são uma das principais fontes de problemas. Ou
seja, não apenas o comprador foi prejudicado, mas todo mundo que respira. Que,
creio, não são poucos.
Isso me
lembrou algumas dicas rápidas para produzir uma propaganda de sucesso. Porque
“verdade'' é tudo aquilo que conseguem nos convencer de acreditarmos.
Seja
carismático. Utilize crianças simpáticas e animais silvestres saltitantes
ao fazer um vídeo institucional para uma empresa de agrotóxico. Crianças e
animais fofos são como coringas. Nunca falham. Vide o Globo Repórter: na
dúvida, botam sempre um especial sobre os filhotes de girafa da África ou os
gorilas anões do Congo.
Venda
valores. Se for de uma indústria de cigarro, defenda a liberdade com
responsabilidade usando um locutor de voz séria, mas aveludada, no rádio.
Cative
seu consumidor. Mostre que aquele SUV não polui tanto porque já vem de fábrica
com adesivo “Save the Planet''. Ou é de uma marca alemã com décadas de
credibilidade. Lembre-se que a credibilidade, bem como a fé religiosa,
também pode vir de um discurso que, proferido à exaustão e sobreposto a
si mesmo ao longo do tempo, legitima a si próprio.
Ignore a
realidade. Comercial de biscoito recheado deve mostrar só crianças magrinhas.
Já sanduba mega-ultra-hiper-infartoso pede uma modelo com um biotipo que você
nunca – atenção para o nunca – vai conseguir ter em condições normais de
pressão e temperatura.
As leis
são suas amigas. Anunciar que um automóvel chega a 300km/h com um limite
de velocidade de 120 km/h no país não é crime. Chegar a 300 km/h é que é.
Seja
sincero. Coloque um grande desmentido com letrinhas bizarramente miúdas no
final do comercial de TV para explicar que se quiser comprar um carro naquelas
condições anunciadas só sendo trigêmeo (acompanhado dos irmãos), ter mais de 90
anos e vir à loja em dia bissexto do ano do Rato no horóscopo chinês.
Dê vida
ao seu anúncio. Propaganda de carne pode sim usar vaquinhas e franguinhos
felizes anunciando o produto. Mesmo que o produto seja de vaquinhas e
franguinhos mortos e moídos – normalmente com o sofrimento de animais e de
trabalhadores durante o seu processamento.
A
insatisfação é motor da mudança. Ter o amor pela esposa posto a prova porque a
geladeira não é assim uma Brastemp, funciona.
Mostre
respeito. Se for um banco, faça um comercial para fazer crer que, para você, as
pessoas são mais importantes que o dinheiro delas (desculpe, pausa para rir).
Seja campeão
de sustentabilidade. Por um lado, é um termo ainda em disputa. Por outro, pouca
gente entende o que esteja em disputa. Mas é grande, verde e bonita, então use
sem dó.
Por fim,
mostre que ter aquele produto é a garantia de fazer parte de um seleto grupo de
privilegiados. E que sua posse é não apenas a porta de entrada para a
cidadania, como também a saída de emergência da indigência do transporte
coletivo. Não importa se o carro continua poluindo, mas sim que, coletivamente,
todos acreditem que não.
Vocês
nunca imaginaram a razão pela qual um carro que custa centenas de milhares de
reais tem um anúncio na TV aberta, quando faria mais sentido uma publicidade
personalizada e individual? Sim, a propaganda serve para, através da
criação do desejo coletivo por um produto, agregar valor relativo à
vida de quem o possui. Ou seja, todos precisam entender que quem possui aquele
produto é um sujeito foda. Por que? Porque possui aquele produto.
Que,
além de tudo, preserva o meio ambiente. Sim, está na propaganda. Então é
verdade.
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